SAGRADA ESCRITURA E CATEQUESE
Vanessa Roberta Massambani Ruthes1
Resumo: A relação entre a Sagrada Escritura e a Catequese é essencial para a formação
religiosa do cristão. Contudo há uma série de questões que devem ser observadas e
compreendidas para que a Revelação aconteça gradativamente em todo esse processo
formativo. Compreender e diferenciar as diversas linguagens da Escritura, ter em mente os
critérios de utilização da Sagrada Escritura, perceber os sentidos e tipos de leitura, são ações
importantes para o catequista, para o formador na fé. Pois a Escritura se constitui alimento
saudável e vigor santo, não somente para esse, mas também para todos aqueles que com seu
trabalho pastoral ao iniciados no mistério da fé.
Palavras-chave:
Sagrada Escritura, Catequese, Revelação, Iniciação.
A Sagrada Escritura é, por excelência, o livro que contém a Revelação que Deus fez
aos homens através de suas ações e palavras. A Catequese, por excelência, é a atividade de
transmissão desta Revelação.
A união das duas: Sagrada Escritura e Catequese, auxiliam na promoção do
conhecimento de Jesus Cristo. Não um conhecimento somente intelectual ou afetivo, mas sim
vital: que dê sentido à vida. O catequizando necessita encontrar-se com a pessoa de Jesus
Cristo e assumir a sua Missão. Deve amá-lo e segui-lo em situações concretas da vida. Deve
saber buscá-lo na oração e sobre tudo na oração em comum ou Liturgia. Por fim, deve levá-
Lo ao mundo, a ambientes e circunstâncias que lhe são próprias.
Assim, para uma melhor compreensão da relação que deve haver entre as duas,
analisar-se-á cinco pontos que delinearão um itinerário para a adequada utilização da Sagrada Escritura na Catequese.
1. O lugar da Sagrada Escritura na Catequese
Os documentos da Igreja que tratam sobre a Catequese ressaltam a importância
fundamental da Sagrada Escritura. O último documento publicado em nosso país: Diretório
Nacional de Catequese, não foge a regra. Ele afirma: “A fonte da (...) Catequese é a Palavra
de Deus”2. Um documento anterior, o Catequese Renovada, enfatiza a atenção especial que
1 Graduada em Filosofia, Especialista em Bioética e em Ética em pesquisa com seres humanos. Agente de Pastoral, membro ativo do comitê de ética em pesquisa da PUCPR. Membro do Grupo de Pesquisa em Bioética e Teologia, membro do Programa de Pós-Graduação em Bioética da PUCPR.
2 DIRETÓRIO NACIONAL DE CATEQUESE. 2006. 25. (DNC).devemos dar à Sagrada Escritura3 incluindo, em todo o itinerário catequético, “estímulos e orientações com vista a uma leitura da Bíblia”4. Nesta mesma linha de pensamento, o Papa João Paulo II escreve na Exortação Apostólica Catechesi Tradendae: “A catequese há de esgotar sempre o seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura”5. Sendo que, neste ponto surge um novo e essencial elemento: a Tradição. Ela se constitui o grande caminho percorrido pela Igreja, este iniciado no Pentecostes e prolongado pela História, pelo qual devemos caminhar para que em comunhão possamos interpretar a Escritura. Desta maneira a Palavra de Deus é amplamente entendida, pois não está somente presente na Escritura, mas na doutrina dos Santos Padres, na Liturgia, no Magistério dos Sacerdotes, no testemunho de tantos santos, no trabalho missionário, na religiosidade popular e na caridade6. Tal dimensão é demonstrada novamente no Concílio Vaticano II, a partir da Constituição Dogmática Dei Verbum: sobre a Sagrada Revelação. Ela nos propõe: “a genuína doutrina sobre a Revelação divina e sua transmissão”7. Sendo que esta doutrina se baseia na relação íntima entre a Sagrada
Tradição e a Sagrada Escritura: A Sagrada Escritura é a Palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a Sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a Palavra de Deus confiada por Cristo Senhor
e pelo Espírito Santo [à eles], para que, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação”8. Desta maneira cabe ressaltar que o Catolicismo não é uma religião ‘do livro”, como o Islamismo, pois a Palavra que a Sagrada Escritura contém se revela na encarnação do próprio Cristo, o Verbo que se fez carne9. Como afirma o Catecismo da Igreja: Todavia, a fé cristã não é uma ‘religião do Livro’. O Cristianismo é a religião da ‘Palavra’ de Deus, ‘não de um verbo escrito e mudo, mas do Verbo encarnado e vivo’. Para que as Escrituras não permaneçam letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna de Deus vivo, pelo Espírito nos ‘abra o espírito à compreensão das Escrituras’.10
3 CATEQUESE RENOVADA. 2006. 85. (CR)
4 CR. 88.
5 CATECHESI TRADENDAE. 2006. 27. (CT)
6 Cf. DNC. 25.
7 CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA DEI VERBUM. 2000. 1. (DV)
8 DV. 9.
9 Cf. João 1, 14.
10 CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 1993. 108. (CIC). A catequese, fiel nesta dimensão, encontra seu alimento saudável e força11.
“Falar da Tradição e da Escritura como fonte da catequese é já acentuar que
esta tem de ser impregnada a penetrada pelo pensamento, pelo espírito e
pelas atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um contato assíduo com os
próprios textos sagrados; e é também recordar que a Catequese será tanto
mais rica e eficaz quanto mais ela ler os textos com a inteligência e o
coração da Igreja, e quanto mais ela se inspirar na reflexão e na vida da
Desta”12.
Assim, deve-se levar o catequizando a um contato com a Palavra na leitura e
meditação pessoal ou comunitária e à compreensão da celebração desta, na Liturgia. Para que: “ouvindo acredite na mensagem da salvação, acreditando espere e esperando ame”13.
2. Catequese e Revelação
Quando se fala da Revelação Divina deve-se ter em mente que essa aconteceu
gradativamente na História do Povo de Deus. Como afirma São Paulo em sua Carta aos
Hebreus: “Muitas vezes de modos diversos, falou Deus outrora a nossos pais pelos profetas.
Nos últimos dias nos falou pelo Filho, que constituiu herdeiro de tudo”14.
O Catecismo da Igreja Católica fala de etapas da Revelação.
O projeto divino da Revelação realiza-se ao mesmo tempo por ações e por
palavras, intimamente ligadas entre si e que se iluminam mutuamente. Este
projeto comporta uma pedagogia divina peculiar: Deus comunica-se
gradualmente ao homem, prepara-o por etapas a acolher a Revelação
sobrenatural que faz de si mesmo e que vai culminar na Pessoa e na Missão
do Verbo encarnado Jesus Cristo15.
Assim, pedagogicamente divide-se a Revelação em cinco etapas:
a) Desde a Origem16.
b) A Aliança com Noé17
c) Deus elege Abraão18
d) Deus forma um Povo19.
11 Cf. CR 85; DV 4.
12 CT 27.
13 DV 1.
14 Hebreus. 1, 1-2.
15 CIC 53.
16 Cf. CIC 54-55.
17 Cf. CIC 56-58.
18 Cf. CIC 59-61.
19 Cf. CIC. 62-64.
e) Deus fala através do seu Verbo20.
O Catecismo lembra também que não há outra Revelação ou outra forma ou etapa
posterior da Revelação, pois em Cristo a Revelação Divina fora plenamente realizada21. Como
afirma São João da Cruz: “A partir do momento em que nos deu o seu filho, que é a sua única
e definitiva Palavra, Deus nos disse tudo, de uma só vez nessa Sua Palavra e não tem mais
nada a dizer”22.
Neste ponto poder-se-ia questionar: qual a importância da Revelação? Como diz a
primeira Carta a Timóteo: “Deus, nosso Salvador, quer que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao conhecimento da verdade”23. Assim é necessário que Cristo seja anunciado a
todos os povos. Mas deve-se ter em mente que a Revelação não é apenas um conhecimento
conceitual, cultural ou mesmo cultual de Deus. Mas sim, um conhecimento interno que gera
uma identificação com Ele: “a Sagrada Tradição e a Sagrada Escritura são como um espelho
no qual a Igreja peregrina na terra contempla a Deus (...) até ser conduzida a vê-lo face a
face tal qual Ele é”24. Assim a Revelação deve ir ao contexto vital da pessoa. Contudo,
também não se pode esquecer que ela se dá de forma gradual e quem a processa é o próprio
Cristo. Sendo que aqui surge uma outra pergunta: como ela se processa, então? Para elucidar
isso tomar-se-á um exemplo que é dado pelo próprio Cristo em seu encontro com a
samaritana.
Na passagem do Evangelho de São João capítulo 4, versículos de 5 à 30 encontra-se
essa narrativa da qual se pode retirar algumas etapas por meio das quais a Revelação se dá:
· Jesus e a samaritana no poço: “Chegou, então, a uma cidade da Samaria, chamada
Sicar, perto da região que Jacó havia dado ao seu filho José. Ali se achava a fonte de
Jacó. Fatigado da caminhada Jesus sentou-se junto à fonte. (...) Uma mulher da Samaria
chegou para tirar água”25. Nesta etapa encontra-se três aspectos importantes para a
Revelação: a Tradição (simbolizada pelo poço, no qual muitas gerações vieram buscar
água, buscar a vida, uma vida nova), a Escritura (simbolizada pela presença do Cristo, a
Palavra encarnada do Pai, que Revela o Pai) e a humanidade (simbolizada pela
samaritana, que busca e espera pela Revelação do Messias, mas que sem essa vive errante
sua vida).
20 Cf. CIC 65.
21 Cf. CIC 66. 73.
22 LITURGIA DAS HORAS, 2ª semana do advento, 2ª feira, ofício de leitura.
23 1Timóteo. 2, 3b-4
24 DV.7.
25 João. 4, 5-7a.
· Jesus vem ao encontro e estabelece um diálogo: “Dá-me de beber!”26. As barreiras se
rompem, Deus vem ao encontro da humanidade, vem ao encontro de cada um de nós.
· Dos preconceitos e crenças religiosas Ele vai até o contexto existencial: “Como, sendo
judeu, tu me pedes de beber, a mim que sou samaritana? Jesus respondeu: Se conhecesses
o dom de Deus e quem é que te diz: Dá-me de beber, tu é que lhe pedirias e ele te daria
água viva! (...) És, porventura maior que nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual
ele mesmo bebeu? (...) Jesus lhe respondeu: Aquele que bebe desta água terá sede
novamente; mas quem beber da água que lhe darei, nunca mais terá sede. (...) Disse-lhe a
mulher: Senhor dá-me dessa água, para que eu não tenha mais sede, nem tenha que vir
mais aqui para tirá-la! Jesus disse: Vai, chama teu marido e volta aqui. A mulher
respondeu: Não tenho marido”27. A Revelação passa por todo um diálogo interior de
análise de existencial, um confronto daquilo que se vive, com aquilo que se propõe para
que se viva.
· O Anseio e a Revelação: “A mulher lhe disse: Sei que vem um Messias. Quando ele vier,
nos explicará tudo. Disse-lhe Jesus: Sou eu, que falo contigo.”28. Depois do confronto
interior há o desejo do conhecimento, o desejo da Revelação, e eis o momento favorável,
pois percebendo a vida de forma clara, está-se pronto para encontrar a Verdade que é o
próprio Cristo, aquele que Revela o Pai.
· Os frutos da Revelação: “A mulher deixou então o seu cântaro e correu à cidade,
dizendo a todos: Vinde ver um homem que me disse tudo o que fiz. Não seria ele o Cristo?
Eles saíram da cidade e foram ao seu encontro.”29. Uma primeira atitude do fiel é
anunciar, é buscar a comunidade para com ela caminhar, vivendo um itinerário de fé no
qual Deus continua se revelando.
Na dimensão catequética a Revelação se dá de duas formas: pelo Querigma e pela
Catequese em si. A primeira é o anúncio solene de Jesus Cristo e sua Salvação, a segunda
vem depois, e se constitui a educação na fé. Contudo, aqui se tem um problema: Muitas vezes
temos uma Catequese sem Querigma e sem este não vai existir interesse em seguir a Cristo,
nem em ouvir a sua proposta. Assim é necessário somar essas duas realidades e tornar a
catequese não só a responsável pela educação na fé, formando a pessoa perante o Mistério,
mas aquela que também apresenta Jesus como caminho, verdade e vida. Assim, os
26 João. 4, 7b.
27 João. 4, 9-10. 12-14a. 15-16
28 João. 4, 25-26
29 João. 4, 28-30.
catequizandos inseridos em um itinerário de iniciação, no qual gradualmente vão crescendo
no conhecimento do Messias Salvador, nos conteúdos da fé e no amadurecimento de sua
relação com Deus, se abrem à Revelação30.
3. Diversas Linguagens da Escritura:
A linguagem da Sagrada Escritura é múltipla e rica e a compreensão de alguns
aspectos desta multiplicidade são interessantes na descoberta dos elementos da Revelação e
da Escritura como Revelação. Aqui abordar-se-á seis tipos de linguagem:
· Linguagem Tipológica: este tipo de linguagem usa um elemento (fato, pessoa ou
acontecimento) como referência a um elemento mais importante. Por exemplo, na
passagem do cordeiro preso pelos chifres, sobre o Monte Moriá, pego por Abraão e
sacrificado no lugar de Isaac31, é um tipo (modelo) de Jesus Cristo, o filho de Deus
que é sacrificado.
· Linguagem Analógica: se constitui uma comparação, quando se usa um elemento para
fazer referência a outro. Assim, o matrimônio do profeta Oséias com uma prostituta32
é uma analogia à união de Deus com Israel, seu povo.
· Linguagem Simbólica: É como uma síntese da linguagem tipológica e da analógica. O
símbolo é uma das mais altas expressões de comunicação existentes. Ele serve de um
elemento para representar um dado ou verdade, pessoa ou fato em toda a sua
profundidade. Assim, quanto mais se desvela o símbolo, mais se pode descobrir sua
mensagem e riqueza. Na Sagrada Escritura há vários exemplos, mas o livro mais rico
de linguagem simbólica é o Apocalipse.
· Linguagem Histórica: Deve ser entendida de duas formas: enquanto Chrónos e
enquanto Kairós. O primeiro caso se refere a dados históricos, acontecimentos do
tempo. O segundo quando esses fatos históricos são interpretados à luz da experiência
com Deus e tornam-se assim dados que comprovam a ação divina ou intervenção de
Deus no suceder dos acontecimentos.
· Linguagem Querigmática: O anúncio é fundamental nesta linguagem. Nos Evangelhos
e de modo geral o Novo Testamento encontra-se o Querigma, o anuncio fundamental:
o da Pessoa de Jesus Cristo33.
30 Cf. DNC. 29-34; CR. 64-65.
31 Cf. Gênesis. 22, 1-13.
32 Cf. Oséias. 1, 2-25.
33 Cf. Atos dos Apóstolos. 2, 22-36.
· Linguagem Catequética:Encontram-se muitos textos na Escritura, nos quais a
educação da fé é o centro. Eles apresentam a experiência de Deus como centralidade
da vida e buscam educar o comportamento. Um exemplo clássico são as admoestações
de São Paulo à Timóteo34.
4. Critérios para utilizar a Escritura na Catequese:Como já se viu que a leitura da Escritura deve ser realizada à luz da Tradição. Assim
são apontados pela Constituição Dogmática Dei Verbum35, três critérios para a leitura da
Sagrada Escritura: atenção ao contexto e à unidade da Escritura inteira, lê-la dentro da
Tradição da Igreja e estar atento à analogia da Fé.
· Prestar atenção ao conteúdo e a unidade da Escritura inteira36: nela existem diferentes
linguagens, diversos enfoques, sentidos que se completam e intenções que podem não ser
o que é mais evidente. Sendo que todos esses não podem causar contradição, portanto, é
necessário compreender o estilo do autor e toda a história do texto e seu contexto. Um
exemplo claro é a passagem do Salmo 136: “Feliz quem agarrar e esmagar seus nenês
contra o rochedo!”37. Quem lê pensa que o salmista movido por ódio deseja a aniquilação
de pessoas inocentes, filhos dos dominadores. Mas no fundo não é contra a ambição
daquele povo que gera a escravidão, o sofrimento e a morte do povo de Deus.
· Ler a Escritura dentro da Tradição viva da Igreja38: A Escritura não é apenas um monte
de palavras correlacionadas, mas, viva e atuante na experiência dos homens e mulheres da
Igreja, durante os séculos. Assim deve ser compreendida a partir da experiência da Igreja
e não de visões ou interpretações particulares. Um exemplo é a passagem que narra o
encontro de Jesus com sua mãe e seus irmãos39. Ela muitas vezes é utilizada como forma
de depreciar a figura da mãe de Deus em sua vida virginal, como também o
relacionamento que tinha com seu Filho. Em primeiro porque se usa o termo ‘irmãos’, em
segundo porque se demonstra certo desprezo por parte de Jesus. Contudo, cabe salientar
duas coisas: a primeira é que o Evangelho de Mateus, originalmente, foi escrito em
hebraico, nesta língua, pouco evoluída, não se tem termos como: primo, sobrinho,
cunhado, tio, utilizando-se para designar tal, os termos: irmão, filho e pai. Em segundo
que a pergunta que Jesus faz não nega o amor a e a maternidade de Maria, mas sim
34 Cf. 2 Timóteo. 3, 14-17.
35 Cf. DV. 12, CIC. 111-114.
36 Cf. Mateus. 5, 17-19.
37 Salmo. 136, 9.
38 Cf. Mateus. 11, 27.
39 Cf. Mateus. 12, 46-50.
estende a toda comunidade cristã vínculo de parentesco que se dá por meio do critério:
“Fazer a Vontade do meu Pai”40.
· Estar atento à analogia da fé 41: Perceber a relação interna das Verdades da Fé que a
Escritura e as Verdades de Fé que o conjunto da Revelação expressa. Uma palavra se
remete a outra, sendo assim chave de compreensão. Um exemplo clássico é o último
versículo do Evangelho de São Mateus42, que nos traz a fórmula da Trindade e que
confirma a fé promulgada pela Tradição.
5. Os sentidos e os tipos de leitura da Escritura: Como vimos anteriormente a Sagrada Escritura possui um lugar especial na
Catequese, pois juntamente com a Tradição é a fonte da Revelação divina. Ela deve ser lida
respeitando os critérios anteriormente expressos. Assim, é necessário distinguir dois sentidos
existentes: o literal e o espiritual43.
- Sentido Literal: é o estudo científico da Sagrada Escritura, que se baseia na pesquisa
histórica, geográfica, lingüística e exegética.
· Sentido Espiritual: é a compreensão da Escritura como narração do projeto de Deus, de
sua ação e da caminhada do seu povo, ou seja, da Revelação. Possui se subdivide em três
tipos: alegórico (fatos ou acontecimentos se referem a Jesus), Moral (proposta moral ou
ética que nos ajuda em nossa conversão) e Anagógico (que fala sobre uma realidade
eterna, sobre nossa Pátria eterna).
Tendo ciência desta realidade, cabe ressaltar ainda os tipos de leituras que se pode
fazer a Sagrada Escritura.
- Em especial abordar-se-á cinco tipos de leitura:
· Leitura Catequética: Não é realizada somente em encontros de Catequese de Iniciação
Cristã I e II. Mas em todos os momentos nos quais se deseja ensinar algo sobre a Palavra
de Deus.
· Leitura espiritual (Lectio Divina): Este tipo não se resume a uma simples leitura orante da
Sagrada Escritura, mas se constitui uma espiritualidade a partir da experiência com a
Palavra de Deus. Ela se constitui de quatro passos: Leitura, Meditação, Oração e
Contemplação. A leitura seria o primeiro porque gera uma compreensão do texto, da
mensagem que o escritor sacro quis transmitir. A Meditação é uma reflexão, a partir do
texto, de sua vida, do mundo e da Vontade de Deus. A Oração é um terceiro movimento,
40 Mateus. 12, 50.
41 Mateus. 13, 52.
42 Cf. Mateus. 28, 19-20.
43 CIC. 115-117.
pois depois que se compreende e reflete o texto, o coração entendendo-se necessitado de
Deus, o procura. A quarta fase, a contemplação, é mais que ver a Deus, é um estado de
união com Ele. É importante ressaltar que essas fases não são fixas, ou seja, se lê, medita,
ora e contempla, mas são sim um itinerário espiritual.
- Leitura Pessoal/Estudo: A finalidade não é necessariamente alimentar a fé, mas, a
compreensão do texto e sua história.
· Leitura Litúrgica: É aquela realizada durante as várias celebrações litúrgicas. Ela segue
um roteiro preparado para que as pessoas que participam regularmente possam ao poucos
aprender coisas e crescer na escuta da Palavra de Deus. É importante ressaltar que este
tipo não é uma simples leitura, mas uma proclamação. Não é a pessoa, mas o Senhor que
se serve dela para transmitir sua Palavra.
· Leitura Fundamentalista: A Igreja deixa bem claro que essa não é o tipo de leitura que
deseja. Não levar em conta a Tradição, a historicidade e o gênero literário pode gerar erros
de interpretações muito graves44.
Nesta perspectiva propomos um itinerário, um caminho a ser percorrido na Leitura do
Texto Sagrado. Sendo que para isso é necessário fazer algumas perguntas:
a) Autor: Quem elaborou o texto?
b) Destinatário: Para quem foi escrito o texto?
c) Finalidade do autor: Qual foi sua intenção?
d) Tema: Qual o conteúdo do que foi escrito ?
e) Código: Como foi escrito? Qual a forma? Quais as palavras?
f) Tempo: Quando foi escrito?
g) Destinatário atual: Quem lê atualmente o texto?
h) Apropriação: Como decifrar o código?
i) Finalidade do Leitor: Qual a intenção de quem lê?
6. Conclusões
A Sagrada Escritura é o livro por excelência da catequese. Por sua linguagem rica, sua
interpretação deve obedecer a critérios de interpretação que levem em conta: a unidade da
Escritura, seu vínculo com a Tradição e a analogia da fé. Deve-se ter em mente também que
seu sentido não é somente científico, mas também espiritual: compreendendo que seus
conteúdos expressam o projeto de Deus e a caminhada de seu povo, ou seja, como a
44 Cf. DNC. 114.
Revelação se realizou até Jesus Cristo. Por isto ela a Catequese se “alimenta e santamente se
revigora com a Palavra da Escritura”45.
Assim, para que toda essa realidade possa se tornar efetiva é necessário: uma formação
mais intensa dos catequistas sobre a Sagrada Escritura, uma pedagogia no uso desta com os
catequizandos para despertar o respeito e o amor pela Palavra, à busca dos catequistas pela
vivência de uma espiritualidade a partir da experiência da Lectio Divina, como também
adaptar essa com os catequizandos.
Acima de tudo, a Sagrada Escritura é um livro de Revelação.
Como nos diz um dos
Padres da Igreja Antiga, Orígenes:
Se tentares reduzir o sentido divino ao significado puramente exterior das
palavras, a Palavra não encontrará motivo para abaixar-se vindo ao teu
encontro e voltará para sua morada secreta que é uma contemplação digna
dela. Esse sentido divino tem asas, ele as recebe do Espírito Santo, seu guia
(...) Não querer elevar-se acima da letra, mas ocupar-se somente dela é sinal
de uma vida de mentira46.
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